A fantástica ciência do Antigo Egito – 4/4

imageAs primeiras feministas

Afirmar que as egípcias foram as primeiras feministas da história pode parecer precipitado, já que o assunto dificilmente estaria em pauta naquela época. Mas, queimas de sutiãs à parte, no mundo dos faraós elas tinham poder e direitos de dar inveja a diversas sociedades contemporâneas. Dependendo da classe social, pode-se até concluir que tinham mais direitos e papel bem mais expressivo que muitas mulheres do século 21.

Conquista como o divórcio, que, no Brasil, só aconteceu na década de 1970, era uma prática aceita naquela sociedade, inclusive quando solicitado pela própria mulher, afirma a professora Margaret Bakos. Foram encontrados registros de pedido de divórcio por parte do homem e da mulher no Novo Império (1555 a 1090 a.C.).

Há documentos que mostram as preocupações com a situação dos bens do casal em caso de separação, quando a mulher costumava ficar com a casa e com os filhos. A poligamia não era proibida, mas a responsabilidade financeira que um egípcio tinha com suas mulheres o fazia pensar muito antes de ter mais de uma esposa.

A egiptóloga diz que não havia qualquer referência nos papiros em relação à virgindade ou à restrição do sexo apenas com finalidade de procriação. “Os egípcios não eram tímidos em relação ao sexo, tinham consciência de seus prazeres, mas não costumavam tornar o assunto público. Quanto ao aborto, sabe-se que existia, mas não era prática comum”, afirma Margaret. “Há registros de pessoas que foram incriminadas por terem conduzido um aborto que resultou na morte da mulher.”

A maioria de suas tarefas era voltada para o lar, mas havia sacerdotisas, agricultoras, escribas e donas de seus próprios negócios (padarias, peixarias) e galgavam com méritos próprios posições hierárquicas. Elas casavam cedo, normalmente próximo da primeira menstruação, mas isso não significa que não fossem sexualmente ativas antes da coabitação, lembra a historiadora. Pelos registros encontrados, o valor do pagamento por seus trabalhos era igual ao dos homens. O homem e a mulher tinham posição de igualdade perante a lei. A mulher podia herdar, deixar heranças, trocar e vender propriedades e escravos.

Conscientes ou não do conceito de feminismo, as devotas da deusa Ísis têm muito a ensinar àqueles que hoje ainda fazem distinção entre os direitos dos seres humanos, qualquer que seja a desculpa adotada.

A ciência da mumificação

A preocupação com os mortos revelou importantes

segredos do corpo humano

Os grandes avanços da medicina praticada pelos povos do Antigo Egito devem-se, principalmente, aos sofisticados processos de mumificação. Por meio deles, conheceu-se detalhadamente todo o sistema circulatório, as vísceras, bem como o funcionamento do coração, que os egípcios acreditavam ser o gerenciador do corpo e das emoções. Com o objetivo de preservar os cadáveres, eles desenvolveram técnicas de embalsamamento e estudaram profundamente métodos de retirada de órgãos. Para tanto, eles estudaram a fundo a anatomia e criaram instrumentos específicos para cada função, tataravôs dos bisturis, agulhas e pinças encontrados nas mãos dos cirurgiões modernos. Os médicos registravam cada avanço em papiros estudados até os dias de hoje.

SALGADOS

Os corpos e órgãos eram tratados com nitrão, um sal mineral comum na região, para evitar a decomposição

ATADURA

As faixas de linho que envolviam os mortos eram banhadas em resina e goma

LAVAGEM

Fígado, estômago e intestinos eram lavados diversas vezes antes de serem envasados

SOBRAS

Resíduos resultantes das incisões para retirada de órgãos durante a mumificação eram jogados no rio

COM AS TRIPAS DE FORA

As vísceras eram cuidadosamente retiradas e colocadas em jarros de barro, chamados canopos. Eles eram guardados nas tumbas próximo aos sarcófagos. As tampas reproduziam imagens sagradas

BOLETIM MÉDICO

Os conhecimentos científicos eram registrados por meio de relatos e desenhos em documentos chamados papiros médicos. Tais registros indicavam que os médicos egípcios se dividiam em especialidades. Durante a mumificação os papiros usados não eram os científicos, mas aqueles que continham trechos das orações encontradas no Livro dos Mortos

FACA AFIADA

Os métodos mais sofisticados de mumificação previam a retirada das vísceras antes do início do enfaixamento do corpo. A extração acontecia por meio de cortes precisos, feitos por lâminas afiadas que deram origem a alguns instrumentos cirúrgicos contemporâneos, como o bisturi. O cérebro costumava ser extraído pelas narinas. Graças a essas incisões é que os egípcios conheceram o interior do corpo humano

BANHO DE CHEIRO

Antes de enfaixar os mortos, os egípcios costumavam besuntar o cadáver com óleo perfumado. As faixas de linho engomadas eram colocadas primeiro na cabeça, depois nas mãos – respectivamente na direita e na esquerda – nos pés, primeiro no direito e posteriormente no esquerdo, e só depois na outras partes do corpo. Uma múmia podia ter até 20 camadas de tiras de pano sobrepostas

CACHORRÃO

A espiritualidade do ritual era garantida por um sacerdote usando uma máscara do deus Anúbis

Linha do tempo

A evolução de uma civilização milenar Períodos Pré-Dinástico e Arcaico – 5500 a 3000 a.C.

 

Unificação do Egito (aprox. 3100 a.C.)

Dinastias 1 e 2

Antigo Império e 1º período intermediário – 3000 a 2061 a.C.

Construção das Grandes Pirâmides – Quéfren, Quéops e Miquerinos

Dinastias 3 a 11

Médio Império e 2º período intermediário – 2061 a 1570 a.C.

Grande desenvolvimento literário Invasão dos Hicsos

Dinastias 11 a 17

Novo Império e 3º período intermediário – 1570 a 656 a.C.

Construção do Vale dos Reis

Reinados de Tutancâmon e Ramsés III

Batalha Naval contra os Povos do Mar (aproximadamente 1100 a.C.)

Dinastias 18 a 25

Períodos Saíta e Baixa Época – 656 a 343 a.C.

Dinastias 26 a 30

Fim da era dinástica

Períodos Persa e Greco-Romano 343 a.C. a 395 d.C.

Conquista de Alexandre

Reinado de Cleópatra

A complexidade da escrita hieroglífica

Os hieroglifos chamam atenção pela beleza de seus traços e pela riqueza de detalhes. Juntamente com os ideogramas chineses, eles atraem o olhar de muita gente que não faz a menor idéia de seu significado, mas que propaga seu uso em objetos de decoração e adornos. Com sintaxe complexa, os hieroglifos surgiram entre 3500 e 3000 a.C. e eram usados em escrituras oficiais e religiosas.

Ciro Flamarion Cardoso, professor de História Antiga e Medieval da Universidade Federal Fluminense, afirma que os hieroglifos têm três tipos de representação. “Eles podiam aparecer como signos fonéticos indicando um, dois ou três sons equivalentes a consoantes ou semiconsoantes, já que as vogais não eram representadas; como complementos fonéticos da leitura ou ainda como signos puramente ideográficos”, afirma Ciro. Por exemplo: um homem sentado podia indicar que a palavra anterior se referia a alguém do sexo masculino, sem que essa representação tivesse algum valor fonético. “Cada palavra egípcia tem uma raiz invariável, à qual se agregam desinências indicativas de gênero, número, flexões verbais. Essas indicações vêm sempre no fim da palavra”, diz o especialista

Segundo ele, a elipse alongada (cartouche) em torno dos nomes ou referências dos reis indica proteção divina. Na inscrição relativa a Tutancâmon (ao lado), o primeiro cartouche contém o nome de trono do monarca. O segundo, seu nome pessoal e o terceiro, sua função. As frases podiam ser escritas em colunas ou linhas e a direção da leitura era indicada pelos signos que representam os seres animados (insetos e aves, por exemplo), que sempre olham para o início da frase. Em geral, o egiptólogo tem de separar as palavras e frases entre si pela lógica ortográfica e gramatical do período em que o texto se gerou. “Os egípcios procuravam mostrar os signos de maneira estética, em função disso dispunham-nos às vezes em cima um do outro ou até mesmo superpondo-os”, afirma o especialista.

Aprenda como ler

A inscrição sagrada no túmulo de Tutancâmon

1. Os textos podiam aparecer em linhas ou colunas, ou cada trecho de uma forma, como nesta inscrição com três colunas e uma linha

Como se lê?

Como se fala? - ntr nfr nbtzwy nb h ‘w

O que significa? - O Deus perfeito, senhor das duas terras, senhor das coroas

2. As linhas ao redor das palavras serviam para proteger nomes sagrados, como o do trono do rei aqui descrito

Como se lê?

Como se fala? - nsw-bity (nb-hprw-r’)

O que significa? - o rei do alto e baixo egito, neb-kheperu-ra

3. A leitura costumava ser da esquerda para a direita e de cima para baixo. Aqui, o nome de Tutancâmon aparece protegido por uma linha

Como se lê?

Como se fala? - sz r’ (twt-’nh-imn hkz iwnw sm’)

O que significa? - o filho do sol, tutancâmon, governante de Heliópolis meridional

4. As posições das figuras de animais indicavam a direção em que se deveria ler o texto. Nesta, a cobra mostra leitura da direita para a esquerda

Como se lê?

Como se fala? - di ‘nh dt

O que significa? - dotado de vida eternamente

A frase escrita diz:

ntr nfr nbtzwy nb h ‘w nsw-bity (nb-hprw-r’) sz r’ (twt-’nh-imn hkz iwnw sm’) di ‘nh dt

“O deus perfeito, senhor das duas terras, senhor das coroas, o rei do Alto e Baixo Egito, Neb-kheperu-ra (o senhor das transformações é o deus solar), o filho do sol, Tutancâmon, governante de Heliópolis meridional, dotado de vida eternamente.”

Para saber mais

NA LIVRARIA:

O que São Hieroglifos, Margaret Bakos, Brasiliense, São Paulo, 1996

O Legado do Egito, Organização S.R.K Glanville, Universidade de Oxford, Inglaterra, l948

NA INTERNET

www.mempphis.edu/egypt/main.html

www.egipto.com/museo/

www.egyptianmuseum.gov.eg/

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