O que é o grafeno e por que motivo é interessante: um sumário

O que é o grafeno?

2008-07-17

Por Nuno Miguel Peres *

Nuno Peres

clip_image001O grafeno foi desboberto no final do ano de 2004, no Centro de Nanotecnologia da Universidade de Manchester, dirigido pelo Prof. A. K. Geim. Este material é totalmente bidimensional e feito inteiramente de átomos de carbono, arranjados entre si numa rede hexagonal (ou de favo de mel).

Como se explicará adiante em maior detalhe este sistema já encontrou aplicações na industria de células solares, em dispositivos de cristais líquidos, em sensores moleculares e no fabrico de protótipos de transistores de dimensões nanoescópicas. Também na área da investigação fundamental, a descoberta deste material revelou novos e excitantes efeitos físicos. Olhemos por com algum detalhe (embora necessariamente de forma qualitativa) para a física deste novo material.

* Professor Associado de Física, Dep. Física, Universidade do Minho. Co-autor do estudo da transparência do grafeno recentemente publicado na revista Science: “FINE STRUCTURE CONSTANT DEFINES THE VISUAL TRANSPARENCY OF GRAPHENE”, R. R. Nair, P. Blake, A. N. Grigorenko, K. S. Novoselov, T. J. Booth, T. Stauber, N. M. R. Peres, and A. K. Geim, Science 6 June 2008 320: 1308.

Tobias Stauber, outro co-autor do estudo

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A densidade electrónica do grafeno corresponde à situação em que se tem um electrão por cada átomo de carbono, sendo a estrutura de bandas do material determinada pela geometria da sua rede cristalina. Como resultado da estrutura de bandas e da densidade electrónica, a superfície de Fermi do grafeno reduz-se a seis pontos na zona de Brillouin. A estrutura de bandas do material em torno destes seis pontos é isotrópica e linear no momento do electrão.

A consequência deste facto é que a teoria efectiva que descreve a física do grafeno é a de um modelo ultra-relativista, de partículas carregadas de massa nula (um tipo de partículas que não existe na física das partículas elementares). Assim a teoria efectiva não é a tradicional equação de Schrödinger mas sim a equação de Dirac em duas dimensões espaciais.

O facto das excitações elementares no grafeno serem descritas pela equação de Dirac tem uma vasta gama de consequências, por vezes inesperadas, para as propriedades electrónicas deste material. Isto significa que as propriedades termodinâmicas, de transporte e espectrais necessitam de ser revisitadas, pois não são descritas pela física do convencional gás bidimensional de electrões.

A promessa de encontrar nova e excitante física no grafeno, a qual poderá levar a importantes aplicações em nanotecnologia tem sido o motor para a investigação neste campo em grande aceleração ao nível mundial. Instituições de topo mundial, como Boston University, MIT, Havard, Berkeley, Stanford, Manchester, Oxford, Universidade Autonoma de Madrid, Universidade de Leiden, Escola Normal Superior de Pisa, etc, têm neste momento fortes grupos teóricos e experimentais na física do grafeno.

Entre os primeiros resultados espetaculares obtidos deste novo material está o efeito de campo medido pelo grupo de Manchester. Este grupo mostrou que o portadores de carga podem ser tanto electrões como vazios, dependendo da polaridade do compo eléctrico externo. Na presença de um forte campo magnético aplicado perpendicularmente ao grafeno, este sistema desenvolve um efeito de Hall quântico não usual, cuja previsão teórica envolveu dois investigadores do Departamento de Física da Universidade do Minho, o autor e o Dr. Tobias Stauber (investigador germânico contratado ao abrigo do programa Ciência 2007).

A grande velocidade dos electrões no grafeno, c/300 (onde c é a velocidade da luz), permite a observação do efeito de Hall quântico à temperatura ambiente. Outros fenómenos de transporte igualmente espetaculares envolvem o transporte balístico de electrões ao longo de distâncias da ordem dos sub-micrometros e condutividades térmicas muito elevadas, o que abre a perspectiva de se produzirem dispositivos electrónicos com tempo de resposta muito rápidos que poderão no futuro vir a integrar uma nova geração de microchips ultra-rápidos.

Que as empresas líderes nesta áreas estão muito atentas a esta possibilidade é o facto da INTEL financiar neste momento pelos menos o grupo na Universidade de Georgia Tech, Georgia, U.S.A, dedicado à investigação em grafeno.

Um outro avanço recente, publicado conjuntamente na revista Science pelo grupo de Manchester e por dois investigadores do Departamento da Universidade do Minho (que efecturam o estudo teórico do efeito observado), foi a demonstração que ografeno apenas absorve 2.3% da luz que nele incide, numa gama de frequências que vai do infra-vermelho ao ultravioleta. Isto abre imediatamente a possiblidade de usar o grafeno como eléctrodos metálicos transparentes na industria de cristais líquidos e de células solares, existindo já protótipos em funcionamento.

O que é interessante do ponto de vista de física fundamental é que a transparência do grafeno não depende de nenhum parâmetro do material, sendo apenas controlada por uma constante fundamental, a constante de estrutura fina, a qual está normalmente associada à física das partículas e das altas energias, uma situação muito rara em física da matéria condensada.

Igualmente, já foi demonstrada a possibilidade de construir protótipos de transistores feitos de pontos quânticos de grafeno, apontando esta linha de investigação para o desenvolvimento de uma electrónica de base interamente molecular.

Em conclusão o grafeno abriu novas avenidas ao nosso conhecimento de ciência fundamental e promete aplicações futuras em nanotecnologia que não eram concebíveis antes da sua descoberta.

Leituras adicionais:

A. K. Geim and P. Kim, “Carbon Wonderland”, Scientific American, 90 (April 2008).

A. K. Geim and A. H. MacDonald, “Graphene: Exploring Carbon Flatland”, Physics Today 60, 35 (2007).

A. H. Castro Neto, F. Guinea, N. M. R. Peres, “Drawing Conclusions from Graphene”, Physics World, November (2006).

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