Física - Antematéria – Parte 2

Antimatéria, LHC e Anjos e Demônios

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image Ainda não tive a oportunidade de assistir este filme. Tenho certeza que, como entretenimento, deve ser excelente. Mas, ao longo do tempo, percebi que muitas pessoas levam a sério o que aparece nos filmes. Quantas vezes não tive que responder que luz não pode ser utilizada para construir os sabres de Guerra nas Estrelas... No filme Anjos e Demônios há um episódio parecido, no qual uma quantidade macroscópica (alguns gramas?) de antimatéria é guardada em uma caixinha e utilizada como ameaça para destruir o Vaticano. No filme, esta antimatéria é produzida no Cern em pouco tempo (minutos, horas?) com a mesma facilidade na qual enchemos um copo de água em uma torneira. Onde traçamos a linha entre ficção e Ciência? O objetivo deste artigo é discutir um pouco isso.

O que é antimatétia?

No mundo em que vivemos, a matéria é constituída por partículas. Por exemplo, a água é formada por moléculas de H2O, ou seja, dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio. Estes átomos são constituídos por prótons, nêutrons e elétrons. O elétron já é uma partícula fundamental, mas os prótons e nêutrons são compostos por quarks e glúons. Em física de partículas há um pequeno punhado de partículas fundamentais, ou seja, aquelas que não são compostas por outras partículas. Estas partículas estão listadas na figura 1. Toda a matéria é composta por uma combinação destas partículas. Por exemlpo, o próton é composto por dois quarks u e um quark d, além de glúons, que promovem a interação entre eles.

image Figura 1 - Partículas elementares.

Para a maioria das partículas elementares existe uma antipartícula correspondente. A diferença entre a partícula e antipartícula é a sua carga elétrica. As outras propriedades, como massa, spin, etc. são as mesmas. Estas antipartículas podem se combinar, assim como as partículas, formando antimatéria. Por exemplo, se combinarmos 2 quarks anti-u com um quark anti-d teremos formado um antipróton. Se este antipróton se combinar com um anti-elétron (pósitron, como é chamado) teremos formado um anti-hidrogênio. Na verdade, já somos capazes de construir átomos de anti-hidrogênio desde o começo deste século. Não precisamos parar por ai... Quem sabe, no futuro, seremos capazes de criar moléculas de anti-água?

Antipartículas foram previstas originalmente por Paul Dirac, Prêmio Nobel de Física de 1933. A primeira antipartícula observada foi o pósitron (anti-elétron), em 1932, por Carl Anderson, que levou o Prêmio Nobel de 1936 por esta descoberta. O estudo de antipartículas evoluiu consideravelmente. Hoje em dia produz-se antipartículas com facilidade em aceleradores e, inclusive, há aplicações para as mesmas. Na área médica, por exemplo, tem se tornado mais comum o uso de técnicas de diagnóstico por tomografia por pósitrons, também chamadas de PET (Positron Emission Tomography).

Uma propriedade interessante das antipartículas e, consequentemente, da antimatéria, é a aniquilação com a particula/matéria correspondente. Se um antipróton colidir com um próton os dois se aniquilam, liberando energia ou outras partículas. Como a energia liberada é bastante grande, começou-se a especular sobre as possíveis aplicações na área energética. É sobre isso que escrevo a seguir.

Antimatéria e energia

Vamos primeiro discutir quanta energia poderia ser liberada por um punhado de antimatéria. Antes de fazer isto, contudo, precisamos entender de onde vem a energia, em geral. Muitos se perguntam como uma bomba atômica pode liberar o equivalente a quilotoneladas de TNT. Como isto é possível? O ser humano é extremamente criativo quando o assunto é energia. Hoje manipulamos energia quase que livremente. Transformamos energia gravitacional em elétrica, em Itaipú, energia química em mecânica, quando usamos uma pilha para fazer um carrinho de brinquedo andar e assim por diante. O segredo é perceber quais os sistemas físicos possuem energia armazenada e como utilizar esta energia em benefício próprio.

Deixe-me comparar três processos de conversão de energia: a energia química (ou molecular, como queiram), a energia nuclear e a energia hadrônica (esta última terminologia é apenas uma liberdade literária de minha parte). Como utilizamos processos químicos, nucleares e hadrônicos para produzir energia?

A energia química está presente no nosso dia a dia quase e quase não percebemos isso. A combustão é um exemplo típico, seja ela de carvão ou gasolina. Neste caso, promovemos o rearranjo molecular de algumas substâncias em outras. Neste rearranjo, como mudamos as ligações entre átomos, pode haver liberação de energia. Esta energia liberada pode ser utilizada em nosso benefício. Um exemplo de reação química é a explosão de TNT.

2 C7H5N3O6 → 3 N2 + 5 H2O + 7 CO + 7 C

A energia liberada corresponde à diferença de massa entre o lado direito e esquerdo da equação. Pois é, diferença de massa! Isto porque existe uma equivalência entre massa e energia que faz com que a massa de um composto não seja puramente a soma das massas dos seus constituintes. Quando precisamos fornecer energia para criar um certo composto, esta energia fica armazenada em forma de massa neste composto. Esta massa pode ser transformada em energia novamente, quando desfazemos o composto criado. Em reações químicas a diferença de massa é, em geral, bastante pequena e quando ocorre uma reação deste tipo somente alguns elétron-volts de energia são liberados. Elétron-volt é a unidade de energia normalmente utilizada em processos microscópicos. 1 eV = 1,6x10-19 J. Vamos tomar esta unidade por base. Em uma explosão, contudo, não ocorre apenas uma reação deste tipo e sim um número incontável delas em um intervalo de tempo muito curto. Assim, macroscopicamente, a energia liberada por tonelada de TNT é da ordem de 4x109J.

image Figura 2 - Explosão de uma bomba atômica

Vamos olhar agora a energia nuclear. Uma das reações nucleares utilizada para gerar energia é a fissão do urânio-235. Nesta reação, um nêutron colide com um núcleo de urânio, fissionando-o e liberando energia. A reação nuclear é:

235U + n → 144Ba + 89Kr + 3 n

Se calcularmos a diferença de massa entre o lado direito e esquerdo da reação acima chegamos à conclusão que a energia liberada é de 177 MeV. 1 MeV equivale a um milhão de elétron-volts. Ou seja, uma reação nuclear deste tipo libera dezenas de milhões de vezes mais energia que uma reação de queima de TNT, por exemplo. É por conta disso que uma quantidade pequena de massa de urânio libera energia equivalente a milhares de toneladas de TNT.

Chegamos agora na energia liberada pela antimatéria, que tomei a liberdade de chamar de hadrônica. Lembre-se que, quando há interação entre matéria e antimatéria, ocorre a aniquilação. Em geral, esta aniquilação acaba produzindo outras partículas, mas a energia disponível corresponde à totalidade das massas envolvidas. Veja, por exemplo, a aniquilação de um próton e um antipróton. Nesta reação a energia disponível corresponde, no mínimo, à soma das massas das duas partículas, ou seja, algo próximo de 2 GeV. Neste caso, 1 GeV = 1000 MeV, ou seja mil milhões de elétron-volts. Este é o máximo de energia que se pode extrair de uma reação pois convertemos toda a massa disponível em energia. Em um mundo macroscópico, 1 g de antiprótons, aniquilando-se com 1 g de prótons, produz o equivalente em energia de 2x1014J ou, aproximadamente, 46 quilotons de TNT. A bomba de Hiroshima, por exemplo, liberou o equivalente a aproximadamente 15 quilotons de TNT.

Antimatéria é uma fonte de energia bastante eficiente, não há dúvida. Assim como a nuclear, se utilizada de forma controlada, é capaz de prover uma quantidade muito grande de energia a partir de uma quantidade muito pequena de combustível. Contudo, há dois pontos que precisamos nos perguntar: vivendo em um mundo de matéria, de onde eu tiro antimatéria? Como eu armazeno antimatéria?

…Continua…

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