O VELHO PROFESSOR - (completo)

NOTA: A primeira parte deste conto já foi publicada aqui neste blog, mas como havia sido perdido, muito tempo passou até que o encontrei novamente, publicarei o mesmo na íntegra.


Finalmente o Sr. Fernando iria descansar. Sua aposentadoria fora publicada no Diário Oficial e já não era sem tempo, pois, há muito anelava por esse momento.
Vinte e cinco anos ininterruptos de magistério realmente cansam, principalmente se levarmos em consideração os fatores que determinam esse abatimento tais como: lecionar em escolas particulares, além da carga horária normal da escola estadual, a fim de complementar a renda necessária à sua subsistência em função dos baixos salários pagos aos professores da rede pública; a precariedade das instalações escolares que não oferecem conforto nem a professores e nem a alunos; a carência de materiais de expediente; a falta de livros para pesquisa, a falta de transporte digno, dentre outras coisas mais.

Entretanto, passados alguns meses de descanso merecido infelizmente as coisas já não andam muito bem para o seu lado e se vê obrigado a procurar trabalho. Ora, sabemos que não é nada fácil encontrar emprego mesmo para quem é jovem, imaginem um pobre aposentado que não tem mais o vigor da juventude, embora tenha talento e experiência de sobra, os quais não valem como requisitos essenciais ao postulante de um novo emprego, o que é realmente uma pena!

Numa sociedade como a nossa onde o que vale é a aparência e o viço em detrimento da vivência e da competência, as empresas somente empregam pessoas de boa aparência sendo este o pré-requisito principal seguido pela juvenil idade. Se o cidadão não tem uma profissão qualquer que o torne independente da vinculação do emprego então as coisa se complicam. Por esse motivo é que devemos ter não somente uma profissão, mas, várias que possam ser utilizadas nas épocas de vacas magras, pois, se uma não der certo, tenta-se a outra.

Assim aconteceu com o nosso protagonista que não tinha outra profissão senão a de docente. A cada procura mais uma porta batida à sua cara e durante meses a fio essa era a sua rotina procurando aqui e ali, algures, um trabalho honesto que, pelo menos, servisse de complemento ao seu minguado salário.

A procura foi intensa e já quase por desistir eis que a Providência apiedou-se do velho professor e uma vaga de professor substituto lhe foi concedida num colégio particular, porém sem vinculação empregatícia, já que o mesmo era aposentado e por um determinado período de tempo. Mas, era alguma coisa, melhor que nada.

Começa uma nova etapa de sua vida na busca por melhores condições de sobrevivência como alívio do pesado guante a que estava submetido há mais de duas décadas. Os meses passam e as perspectivas de melhora não eram tão animadoras em virtude da parca remuneração que percebia e que somada à da aposentadoria somente ajudava, mas, não era a solução dos seus problemas.

Por esta e por outras razões o velho professor tomou a resolução de voltar a estudar, mas, não numa disciplina regular, curricular. Procurou profissionalizar-se em outra área de atuação não fazendo somente um curso, mas, vários, no campo da informática.

O horário noturno reservado ao descanso era deveras penoso para os seus 68 anos, com o corpo alquebrado, mente obscurecida pelo cansaço e cuja visão embaciada não lhe permitia abusar da leitura, mas, mesmo assim, ele persistia, embora sofrendo de dores lombares e de cabeça. Era, destarte, mais abatido pelos esforços mentais do que pelos físicos.

Passados um ano e meio depois de tanto estudar e praticar já se sentia seguro no que havia se especializado. Já era bastante solicitado a realizar serviços de particulares quando, no seu mister de preceptor, foi solicitado a executar um serviço de sua competência, porém, não de sua obrigação, pois, os deveres de professor para os quais fora contratado não incluíam reparar e fazer manutenção em computadores, até porque não era especialista no assunto, por ocasião do referido contrato. O professor negou-se a fazer o serviço, a não ser que fosse remunerado de fora à parte.

A sua recusa foi motivo de ofensa para a direção da escola que, apesar de entender que ele estava no direito de desobrigar-se de tal tarefa, passou a vê-lo com maus olhos e, como animal predador, ficou à espreita esperando uma oportunidade de dar o troco ao velho professor que, a essas alturas já não se importava mais com a merreca que percebia a título de remuneração; sabia que a qualquer hora poderia ser despedido por causa da sua condição de contratado sem vínculo; sabia, outrossim, que não era nada importante para aquele educandário. Tanto sabia que, sabiamente se preparou, apesar dos percalços encontrados pela estrada e não obstante à sua frágil saúde.

Certo dia em seu lar, conversando com a esposa, tiveram o seguinte diálogo:

-- Estou percebendo que você não anda muito contente com o seu emprego.

-- É verdade, não estou mesmo.

-- O que está acontecendo?

-- Estou cansado de lecionar; estou abatido pelo desprestígio que temos quando envelhecemos, como se nada fôramos, se nada valesse a experiência que acumulamos ao longo de nossa vida. Cansado de ser oprimido por pessoas que se julgam os donos da verdade e do mundo, que são a personificação da excelência, da perfeição e que tudo isso lhes é intrínseco.

-- Mas você até que está se saindo bem nesse novo colégio!

-- Você se engana, minha querida, e se não lhe falo o que está acontecendo é porque não quero lhe deixar preocupada. Eu me recusei a dar manutenção gratuita aos computadores do colégio e por isso estou sob um fio para ser despedido e só não estou mais atribulado é porque me preparei para o pior.
Cansei. Cansei de tudo que me atormentava. Cansei de ser oprimido e explorado. Cansei de ver as coisas erradas que se fazem em determinadas escolas – e essa onde leciono é uma delas, -- que abusam das prerrogativas que têm para, dentre outros absurdos:

– esbulhar o pai de família cobrando um preço absurdo nas mensalidades;

– cobrar taxas desnecessárias para simplesmente expedirem um documento que é de seu dever;

– formar cartéis com outras entidades de ensino a fim de manter as mensalidades acima do patamar harmônico com as posses dos pais de alunos;

– firmar acordos comerciais entre fornecedores de fardamento, livros e material escolar, etc., para tirarem alguma vantagem. Tomei conhecimento de que os servidores de tais escolas recebem de graça os livros que necessitam não só para os seus filhos como para alguns parentes mais próximos. Por isso, tais colégios trocam os livros adotados como os políticos trocam de partido, sem nenhum juízo crítico.

- exigir dos alunos matriculados a aquisição de material excessivo que nunca ou quase nunca é usado. Um amigo me contou que a escola de seu filho pediu, ano passado, três livros que nunca foram solicitados em classe.

Já ouvi de um colega mais antigo na escola que presenciou um caminhão sendo carregado com papel ofício, papel higiênico, caixas e mais caixas de outros materiais presumivelmente vendidos para uma empresa de outra cidade. E, pelo que se infere, escola nenhuma tem, no mesmo prédio, nenhum comércio de material escolar.
Quando por ocasião da matrícula, o cidadão é praticamente obrigado a assinar um contrato com claúsulas leoninas, como a que obriga o aluno a ceder sua imagem para publicidade em outdoors, panfletos, vídeos, etc., para que esse mesmo estabelecimento faça os seus reclames, pois se não assinar, fica sem matricular o filho.

A genialidade do aluno é colocada em segundo plano quando este mesmo estabelecimento faz a sua publicidade. O aluno passou no vestibular tal, classificado em 1º ou 2º lugar, pela qualidade do ensino daquele ginásio e não por seu mérito. Essa é a mensagem que eles passam ao público.

Quando há uma reunião entre a direção e o corpo docente, é apenas para determinar. Ninguém se atreve a dar sugestões ou opinar, pois, pode parecer antipático à direção e sofrer retaliações ou até ser demitido.

Então, por estas e por outras razões, tomei a decisão de dar um novo rumo à minha existência, aprendendo um novo ofício e, não fora o corpo já um tanto quanto decrépito, continuaria a estudar e aprender novas profissões, diversificar as especialidades, pois, nos dias de hoje não se pode depender somente de uma ocupação.

-- Você está coberto de razão, meu querido. Eu também estou pensando seriamente em fazer uns cursos como desenho e pintura para eu mesma ornamentar as minhas costuras, aprender trabalhar com couro e pirografia em madeira, além de uns estudos em informática. O que você acha?

-- Acho uma maravilha essa sua idéia! Mãos à obra!




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