A fantástica ciência do Antigo Egito- Parte 2

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Fonte: Super Interessante - http://super.abril.com.br/ciencia/fantastica-ciencia-antigo-egito-444035.shtml

… Continuação

por Karen Gimenez

O uso de anestésicos era prática comum dos médicos da época. O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mário Curtis Giordani cita em seu livro História da Antiguidade Oriental um processo de adormecimento de partes do corpo feito com a utilização de uma mistura de pó de mármore e vinagre. Antonio Brancaglion destaca os anestésicos à base de opiáceos que eram ingeridos. Esses antecessores da morfina só voltaram a fazer parte dos procedimentos cirúrgicos cerca de três séculos atrás, na Europa. Os egípcios dominavam métodos avançados para amputação de membros e cauterização e davam pontos para fechar incisões. Acredita-se que foram os primeiros a utilizar essa técnica. Os médicos eram especializados como nos dias de hoje. Quem cuidava de fraturas não mexia com problemas de pele. A especialização incluiu o aparecimento dos odontólogos. Os dentistas já usavam brocas, drenavam abscessos e faziam próteses de ouro.

E, para quem pensa que a medicina egípcia era coisa para poucos, aí vai uma nova: os trabalhadores braçais – os mesmos que empurraram pedras monumentais para construir as pirâmides – possuíam uma espécie de plano de saúde. Escavações na Cidade dos Trabalhadores – um conjunto de casas encontrado na planície de Gizé, à sombra da grande pirâmide – revelaram múmias com até 4 500 anos que receberam tratamento médico. “Eram pessoas comuns que se curaram e voltaram ao trabalho”, afirma Zahi Hawass, diretor do Conselho Supremo de Antiguidades do Egito. “Alguns corpos apresentavam marcas de fraturas consolidadas, membros amputados e até cirurgias cerebrais.”

Outro avanço da medicina egípcia foram os métodos contraceptivos. A egiptóloga Margaret Marchiori Bakos, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, diz que a maioria deles consistia na aplicação de emplastros espermicidas na vagina. O papiro Ebers relata que “para permitir à mulher cessar de conceber por um, dois ou três anos: partes iguais de acácia, caroba e tâmaras; moer junto com um henu de mel, um emplastro é molhado nele e colocado em sua carne.” Um “henu” equivale a cerca de 450 mililitros. “A acácia continha goma arábica, que com a fermentação e a dissolução em água resulta em ácido lático, ainda hoje utilizado em algumas geléias contraceptivas. O mel, que também aparece no papiro Kahun, pode ter tido alguma eficácia. “Seu efeito tende a diminuir a mobilidade do espermatozóide”, diz Margaret.

Quando havia suspeita de gravidez eram feitos testes com a urina. “A mulher urinava em um recipiente em que havia uma variedade de cevada. Se ela germinasse, a gravidez estava confirmada”, diz Antonio Brancaglion. Para o especialista, independentemente do percentual de acertos, o mais notável é o conhecimento da relação entre a composição da urina e a gravidez.

Circunavegação da África e controle de cheias

A medicina não foi a única ciência em que os egípcios se desenvolveram. Eles foram engenheiros notáveis em química, construção civil, naval e hidráulica. “Nem sempre é possível afirmar que tenham sido precursores nesta ou naquela descoberta”, afirma Antonio, “pois a pesquisa nunca termina. Baseando-se no que se encontrou até hoje, dá para concluir que eles foram os primeiros em diversas tecnologias.”

Na navegação, há fortes indícios de que alguns dos louros atribuídos aos fenícios precisam ser divididos com os egípcios. A vela mais antiga de que se tem notícia, por exemplo, é egípcia e foi encontrada dobrada dentro de uma múmia em Tebas, de cerca de 1000 a.C. Os mais antigos modelos de barcos a vela dos fenícios de Tiro e Cartago datam do século 8 a.C. Os egípcios foram os primeiros a projetar barcos pensando previamente no destino que eles teriam. Modelos militares eram diferentes dos cargueiros, que por sua vez não se pareciam com os utilizados para lazer ou cerimônias religiosas. Eles criaram os melhores barcos militares e a frota mais veloz. A chamada nau de Quéops, com 47 metros de comprimento e datada da Quarta Dinastia (2589 a 2566 a.C.), é a mais antiga embarcação desse porte encontrada até hoje. Num barco ainda maior, durante o governo do Necho II (610 a 595 a.C.), eles já haviam realizado a circunavegação da África.

Quem acredita que o primeiro navegador a dobrar o cabo das Tormentas, no sul da África, foi o português Bartolomeu Dias, em 1488, precisa rever seus conceitos.

Os armadores egípcios conheciam as propriedades de expansão da madeira, rigidez e durabilidade. Tais conhecimentos eram vitais na construção de embarcações capazes de sustentar blocos de pedras com mais de 80 toneladas. “O grande mistério da engenharia naval do Antigo Egito não é como os barcos agüentavam tanto peso, mas de que forma as pedras eram colocadas neles. Há diversas suposições, que vão da construção de diques secos até afundamento dos barcos para posterior emersão, no caso de cargas menores”, diz Antonio Brancaglion. Até agora não foram encontrados registros sobre como eles colocavam uma rocha de 80 toneladas numa balsa sem que ela adernasse durante a operação. Mas que eles conseguiam, conseguiam.

Um dos feitos mais impressionantes dos engenheiros do Antigo Egito foi a construção de um antecessor do atual Canal de Suez. “Em aproximadamente 2500 a.C. os egípcios construíram uma eficiente passagem ligando o mar Vermelho ao Mediterrâneo, como os europeus vieram a fazer em 1869.”

O Nilo, artéria que era a própria vida do Antigo Egito, desde os primeiros povos que se instalaram na região, cerca de 5500 a.C, foi também uma importante fonte de pesquisa e avanços científicos. Os egípcios sabiam da importância do rio como via de transporte e de sua relação com a preservação e manutenção das terras férteis ao longo do vale. As cheias eram vistas como benéficas pelos egípcios e não como uma vingança dos deuses, como na Mesopotâmia. O livro do professor Mário Giordani mostra o uso de instrumentos para medir a variação das cheias (nilômetros), relata os conhecimentos sobre fertilizantes naturais, como esterco, o trabalho das minhocas e a própria lama do Nilo, que era transportada para áreas a princípio estéreis. Foram os primeiros também a utilizar o arado manual.

Por volta de 2300 a.C. eles já aplicavam técnicas de irrigação artificial, por meio de canais com vazão controlada. Criaram um sistema de bombeamento de água chamado shaduf. Consistia em um processo elevatório que levava a água até locais naturalmente não inundados, para aumentar a área produtiva. O shaduf é usado até hoje, principalmente no bombeamento de pequenas quantidades de água ou situações em que o custo da implantação de sistema automático não é compensador. A roda para bombear água movida a tração animal também vem do Egito, no tempo dos romanos, entre 30 a.C. e 395 d.C.  Continua…

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