Casos - O JUDAS

O JUDAS

Por Antromsil

23/07/2013

imageO Nordeste brasileiro é riquíssimo em folclore, em crenças e costumes diversos, como sói acontecer em todo Brasil.

Sobral, encravado no Noroeste cearense tem também as suas tradições, suas datas festivas, como o Boi de Reisado, as Festas Juninas e a Malhação do Judas, como fechamento da Páscoa e da Quaresma, nas quais acontecem, vez por outra, algum tipo de episódio engraçado.

Determinados casos ocorridos são contados por pessoas que, de certo modo, se especializaram no assunto porque as contam com desenvoltura e com graça, como certos membros da família Dias.

Alberto Dias, mais conhecido pela alcunha de Bebeca, quando em conversa de bar, na qual fala-se de todos assuntos que se possa imaginar, contou-me um destes casos que tentarei retratar, conforme o que entendi, com o máximo de fidelidade que me for possível.

Por ocasião de uma dessas festas, em que as pessoas se deslocam das localidades onde residem para a igreja mais próxima, no caso, a sede do Distrito ou mesmo para a cidade onde as festividades eram mais animadas, pois, no final dos ritos sacros havia os folguedos das quermesses, das barracas de guloseimas, com comidas típicas, refrescos e bebidas diversas, do parque de diversão, da banda de música, e outras atrações, que era um deleite para todos, principalmente os mais jovens, que aí encontravam ocasião para se distrair, esquecendo a rotina do dia a dia.

A tradição do Judas (ou Malhação do Judas), há muito arraigado nos costumes do povo, tem a sua vez de Sexta-feira da Paixão para Sábado de Aleluia, quando este, depois de confeccionado é pendurado preferencialmente em um pau bem alto para dificultar a sua derrubada no Domingo da Ressurreição, pela tarde.

Havia na localidade, determinado elemento com dotes artísticos que confeccionou um exemplar do Judas bastante peculiar pelas características acrescentadas ao boneco de engonço que, assemelhando-se aos de marionete, ganhou movimentos nas mãos de seu criador que assim o fez para a noite assustar os transeuntes menos precavidos.

Era uma Sexta-feira Santa, e quase todos os católicos da localidade da Mutuca haviam saído para participar da procissão do Senhor Morto. Terminada esta e concluídos os ritos finais que culminam com a bênção, alguns dos que moram mais longe pegam o caminho de volta, outros ficam um pouco mais e alguns, até o encerramento.

Os primeiros que passaram pelo local onde foi trepado o Judas, (possivelmente um pé de oiticica ao lado do caminho), saiam correndo espavoridos com o susto, espantados que eram pelo baixar e levantar do fantoche e dos movimentos dos seus membros, assemelhando-se ao homem, manipulados habilmente pelo seu criador e operador que, evidentemente caia na risada, pondo a mão na boca para não ser notado pelas suas vítimas.

A penumbra da noite dificultava uma visão mais clara do objeto que dava a impressão de coisa do outro mundo, uma visagem como se conhece por aqui.

Depois que muitos se assombraram, a notícia correu célere e em pouco tempo quase toda gente da região já havia tomado conhecimento das peripécias de tal abantesma.

Um terceiro personagem entra a cena na pessoa de um homem metido a valente, moreno de boa estatura, de mais ou menos uns quarenta e cinco anos de idade que, já com umas quatro na cabeça, deveria passar obrigatoriamente pelo local do acontecimento, por tratar-se do seu caminho.

Armado de peixeira, como de costume e mais ou menos cauteloso posto que já sabia da notícia, Zelão pegou a estrada e dirigiu-se a sua residência que não distava muito dali, quando, ao aproximar-se do local foi pego de surpresa com a queda brusca do Judas que, arreado ao chão, ao mesmo tempo ficou de pé. Zelão, pulando para trás e, lógico, sacando sua arma da bainha, investiu furiosamente contra o fantoche que pulava e gesticulava mais que um macaco.

Travou-se então uma batalha acirrada entre os personagens que se estendeu por longo tempo, pois, enquanto um desferia violentos golpes de faca contra o adversário, este, mesmo ferido não sangrava e nem dizia uma palavra, somente se defendia com braçadas e pernadas, ora pulando, ora esparramando-se no chão.

Foi então quando Zelão já bastante cansado pelo combate, suado e resfolegando, estacou exclamando:

- Oxente! Tu tem é pauta com Cão, desgraçado, vai-te embora daqui! – E, desistindo da pugna, foi-se embora.

Sobral, 23/07/2013

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