Antematéria – Parte 4

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Antematéria, LHC e Anjos e Demônios

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Na figura 7 é mostrada uma foto de uma colisão entre dois núcleos de ouro no acelerador RHIC, registrada pelo experimento STAR. Cada linha na foto corresponde a uma partícula (ou antipartícula). Em um evento típico, milhares dessas são produzidas. Em geral ocorrem milhares de colisões como essa por segundo no acelerador. Para registrar cada uma dessas colisões é necessário uma infra-estrutura computacional sofisticada.

image Figura 7 - Colisão entre dois núcleos de ouro, registrada pelo experimento STAR, no RHIC (cortesia de BNL).

A observação das partículas e antipartículas provenientes dessas colisões, como mostrado acima, requer equipamentos de detecção extremamente sofisticados, no limite da tecnologia do ser humano. Na verdade, é preciso desenvolver novas tecnologias para isso ocorrer. Um exemplo típico é a criação da WEB, necessária para troca de informações adquiridas nestes tipos de aceleradores. Projetos deste porte envolvem centenas de pesquisadores do mundo inteiro. A USP, por exemplo, participa ativamente em vários experimentos do RHIC e LHC. Na figura 8 é mostrada uma foto do experimento Alice, no LHC.

image Figura 8 - Foto do experimento Alice (cortesia do Cern).

Em resumo, nós sabemos produzir antipartículas faz algum tempo. Nós as estudamos com bastante detalhe. Mas será que poderíamos dar um uso prático a essas antipartículas, como utilizá-las como fonte de energia? Há alguns pontos que precisamos considerar para responder a esta pergunta.

Antipartículas produzidas em aceleradores podem ser utilizadas como fonte de energia?

É possível aprisionar as antipartículas produzidas? Em geral elas são produzidas com velocidades muito elevadas, próximas à da luz, sendo impossível contê-las. Os detectores registram apenas as suas trajetórias e informações como momento e energia. Ao passar pelos detectores elas são aniquiladas ou jogadas para fora do acelerador, se perdendo.

Contudo, mesmo se fosse possível armazená-las, e se dispuséssemos de equipamentos com grande capacidade de armazenamento, seria viável utilizá-las como fonte de energia? A resposta para esta pergunta é NÃO! As razões para esta resposta são as seguintes:

1. Gasta-se mais energia produzindo as antipartículas do que elas são capazes de fornecer.

Antimatéria não é algo abundante no nosso mundo. A produção em aceleradores é feita a partir de matéria ordinária, acelerada. Assim, para criar antipartículas é necessário fornecer energia para a matéria que vai colidir. Como nem toda energia gasta em um acelerador é fornecida aos núcleos que vão colidir (gastamos energia resfriando o acelerador, com computadores, monitoramento, etc.) e como nem toda energia na colisão é transformada em antipartículas, o balanço energético é negativo. Ou seja, gasta-se mais, muito mais, energia do que poderíamos recuperar com a antimatéria. Um processo onde gasta-se mais do que se produz não é viável comercialmente.

2. A quantidade de antimatéria é insignificante macroscopicamente.

Quanto tempo leva para o LHC produzir um grama de antimatéria? É viável? Vamos tentar responder esta pergunta fazendo algumas estimativas até um pouco exageradas. Para obter o tempo necessário para produção de um grama de antiprótons vamos utilizar, então, as seguintes suposições:

  1. Em uma colisão próton-próton no RHIC é produzido aproximadamente um antipróton a cada dez eventos. Esta taxa de produção não deve ser muito diferente no LHC, de modo que podemos utilizá-la como estimativa. Vamos chamar de Np o número de antiprótons produzidos em uma colisão e vamos assumir, então que Np ~ 0,1 antipróton/colisão.
  2. Vamos usar a taxa de colisão esperada para feixes de prótons no LHC. Esta taxa pode ser estimada em 600 milhões de colisões por segundo (Tc). Esta é a estimativa de taxa máxima de colisões. O valor médio é muito menor que este, mas como estamos interessados em um limite inferior para o tempo, este valor serve ao propósito.
  3. Vamos supor que o LHC vá operar 365 dias por ano e 24 horas por dia. Isto é impossível de ser alcançado, pois há períodos de manutenção programada, montagem de experimentos, e o tempo morto do acelerador.

Com as suposições acima, tempo que:

  1. O número de antiprótons produzidos por segundo é estimado em N = Np x Tc = 0,1 x 600x106 ~ 6x107 antiprótons/s.
  2. Um ano contém 365 dias x 24 horas x 3600 segundos ~ 3x107 segundos.
  3. Em um ano o número de antiprótons produzidos seria Nano ~ 3x107 x 6x107 = 2x1015 antiprótons/ano.
  4. O número de antiprótons em um grama de antimatéria corresponde ao número de Avogadro, ou seja 6,02x1023 antiprótons/g.
  5. Para produzir um grama de antiprótons é necessário 6,02x1023 / 2x1015 ~ 300 milhões de anos.

Cálculos mais detalhados, considerando o tempo que o acelerador funciona e uma taxa de colisões menor, fazem este tempo subir de um fator 10, chegando a 3 bilhões de anos! Ou seja, produzir, com o LHC, um grama de antiprótons é impossível.

Conclusões

Neste texto tentamos responder se é possível e viável o uso de antimatéria como fonte de energia e se o LHC é capaz de fornecer a quantidade necessária de antimatéria para este fim. Com base nos argumentos descritos acima, podemos concluir que:

  1. Antimatéria é uma fonte de energia muito eficiente, se comparada às fontes de orígem química ou nuclear, pois o processo de aniquilação faz com que toda a massa das partículas envolvidas esteja disponível como fonte de energia.
  2. Não há tecnologia disponível para armazenar quantidades macroscópicas de antimatéria. Os instrumentos atuais permitem armazenar da ordem de 1010-12 partículas apenas.
  3. Antimatéria não está disponível ao nosso redor, como petróleo, carvão ou materiais radioativos. Precisamos produzi-la. Gasta-se muito mais energia para produzi-la do que aquela que seria utilizada posteriormente. Isto é uma limitação física e não tem jeito de contornar esta situação.
  4. O LHC não é capaz de produzir antimatéria na quantidade necessária para qualquer fim prático. A produção de um grama de antiprótons tem o seu tempo estimado em milhões a bilhões de anos.

Ou seja, o uso de antimatéria para fins energéticos é impraticável e, o que vimos no filme Anjos e Demônios é pura ficção científica.

Alexandre Monday 06 July 2009 at 09:06 am | | divulga

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