A Botija - Parte 2 - Conclusão


No dia seguinte o Sonhador retorna com um homem forte e destemido, igualmente morador daquele Distrito, o qual estava disposto a enfrentar qualquer desafio no afã de logo por as mãos no objeto de seus anseios, o qual lhes poderia tirar a barriga da miséria.
Nesse ínterim, chega um dos operários de Sr. João passos, um homem de cor que, ao inteirar-se da conversa, ofereceu-se para fazer a escavacação, no que foi prontamente aceito. No entanto, perguntou logo quanto ganharia, ao que lhe respondeu o Sonhador, donatário da virtual botija, que “lhe daria uma moto zero quilômetro”.
Seu João, como que querendo tirar um sarro das fuças dos caçadores de tesouro, indagou se eles não tinham medo de empreenderem a tal jornada que poderia ser assombrosa, já que se tratava de doação de espírito desencarnado, ao que responderam:
- Eu não tenho! – disse o primeiro, o Sonhador.
- Eu também! - disse o Moreno.
- Ora, seu João, eu não tenho medo nem de homem vivo, imagine se vou ter medo de alma! – redargüiu o Corajoso, cheio de empáfia.
Segundo a tradição dos caçadores de tesouros enterrados, para a extração da arca, pote ou qualquer outro utensílio empregado, existe um verdadeiro ritual a ser seguido sob pena de se ter que haver com abantesmas de toda espécie que farão de tudo para entravar a retirada do mesmo. Como talismãs ou espanta-fantasmas, são utilizados velas e água bento, terços, medalhas ou livros religiosos igualmente benzidos.
Depois de reunirem amuletos, ficou acertada para o dia seguinte a retirada da botija, cujo horário seria à maia noite e com todas as luzes apagadas, sendo permitido somente as velas abençoadas, conforme preceitua o cerimonial de escavação.
Chegada a hora, tomadas todas as precauções de praxe, iniciaram a escavação. O Mulato escavava o local indicado, o Corajoso segurava uma vela, o Sonhador segurava uma segunda e examinava o material removido.
Absortos naquela faina, entretidos que estavam na ânsia de encontrar o tesouro não perceberam atrás deles a figura de um avejão sem rosto em vestimentas brancas com uma vela nas mãos e a outra no peito que se aproximou sem ser notado e falou com voz distorcida e nasalada, característica de certas aparições espectrais, dizendo:
- O local não esse aí não!
O assombro foi tamanho que todos se desfizeram dos apetrechos e, cai aqui, levanta acolá, aos tropicões uns com os outros, valendo-se de tudo quanto é sacrossanto desembainharam em disparada, tão desorientados que estavam e se escafederam!
Tal entidade assombrosa era, nada mais, nada menos do que João Passos Dias embrulhado num lençol branco, com uma sacola de papel perfurada para poder visualizar, sobre a cabeça, se desmanchando em risadas, no escuro, tropeçando aqui e ali, pois a essas alturas a vela tinha se apagado na confusão.
Pouco tempo depois de se recompor saiu de casa para ver o resultado da sua travessura, pois, nessa ocasião a rua já estava quase toda que tomada de gente, em roupas de dormir, acordada que foi pelo alarido dos caçadores os quais, nesse momento, jaziam atônitos e esbaforidos em frente à delegacia do Distrito.

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