ARTIMANHAS DO JOGO

Um conto de Romão Silva

Certa feita, Simeão um homem simples do interior, trabalhador da roça, de passagem em casa de parentes na cidade, encontra dois amigos e com eles entabula uma conversação.
- Oi Joaquim, oi Samuel, tudo bem!
- Tudo. Olha só que deu o ar de sua graça, Samuel, o velho Simeão!
- Olá Simeão, – falou Samuel – como vai?
- Tudo bem, e os amigos com as suas famílias, tudo em paz?
- Tudo. – responderam os amigos em uníssono
– Que ventos o trazem aqui? – inquiriu Samuel.
A conversa delongou-se e tomou rumos diversos, vez que havia muito tempo não se encontravam, velhos camaradas de infância que foram nos arrabaldes da cidade de Roseta.
Simeão, criado no campo passou algum tempo morando na cidade, mas seus pais retornaram ao povoado de Jacira onde se sentiam mais à vontade. Os outros, continuaram a viver onde estavam e cada um seguiu o seu rumo, casaram-se, constituíram família. Samuel era um negociante desses que topa tudo, desde leve vantagem e Joaquim, um simples carpinteiro de boa índole.
A palestra seguia em frente quando Joaquim lhe inquiriu:
Mas, afinal companheiro, você veio só passear ou tem alguma coisa a resolver por aqui?
- Bem, eu na verdade não vim somente rever os amigos e parentes. Como vocês sabem, o sertão não tem muita coisa a nos oferecer, principalmente quando o inverno é fraco, então tomei a resolução de tentar encontrar outro meio de vida.
- E o que tu pretendes fazer? – perguntou Joaquim.
- Ainda não estou bem certo mas, um pequeno negócio, talvez, pois, lá pra nós as bo-degas são distantes e tem pouca coisa ou quase nada pra vender. Mas pra isso preciso de dinheiro e então vim tentar um empréstimo, quiçá vender algumas coisinhas que tenho e começar.
- O que vocês acham?
- Bem, eu acho uma boa idéia – falou Joaquim.
- Eu também, - confirmou Samuel. - E então, já conseguiu alguma coisa?
- Olha, Samuel, até agora nada, a não ser umas poucas propostas não muito aceitáveis, por um terreno, um cavalo, duas vacas e a minha moto.
- Eu tenho uma idéia – arrazoou Samuel. Que tal uma rifa, um bingo ou o sorteio da moto, por exemplo? Porque pelo que eu sei você não anda muito nela que fica a maior parte do tempo encostada. Aliás, disso eu entendo bem e se o amigo quiser eu posso dar uma mãozinha.
- Pode ser, quem sabe, porém eu não levo muita fé em jogo. Não por causa da crença, mas porque eu não entendo nada dessas coisas, principalmente depois que outro amigo meu, que vocês não conhecem, tentou ganhar algum com esse tipo de jogo e se ferrou. Colocou sua motocicleta no sorteio, imprimiu um monte de cartelas e não vendeu nem a metade. Resultado: um sortudo, desses viciados, ganhou o prêmio e notem que havia comprado somente duas cartelinhas.
- Tá explicado – retrucou Samuel.
- Explicado o quê? Como? Inquiriu Joaquim.
- Eu também não entendi – ajuntou Simeão.
- Pelo que eu entendi, o cidadão lá tentou montar um animal que não conhecia. Era, por assim dizer, um marinheiro de primeira viagem.
- com certeza, ele realmente nunca tinha tentado isso antes – admitiu Simeão. – Mas, como conhecia alguns amigos que vivem disso, achou que era fácil e ficou no prejuízo.
- É o mal das pessoas parvas. Metem-se com coisas que não dominam e quebram a cara! Mas, se você quiser, eu enfrento a fera e lhe garanto domá-la e que sem dúvida, vamos nos sair bem.
- Como é que tu tens tanta certeza de que dá certo? – contestou Simeão.
- Sim, Samuel, te explica que também tô ficando curioso – atalhou Joaquim.
- Vejam bem, meus amigos, vocês sabem que eu tenho a fama de esperto e devo confessar a vocês que não sou nenhum santinho, mas nessa minha vida já comi o pão que o Diabo amassou, quiçá porque não tenha me esforçado mais para estudar e aprender uma boa profissão. Porém, não sou de todo destituído de inteligência e tive que dar meus pulos, e me arranjei de um jeito um tanto quanto desmantelado, mas, foi o que deu pra fazer, pelo menos por algum tempo.
Convivi com gente de toda espécie e com eles aprendi, quer dizer, desenvolvi algumas habilidades e devo dizer, até que não foi mau assim.
Pois bem, vocês querem saber por que estou tão certo de podermos ganhar um bom dinheiro com isso, então eu vou lhes explicar. Não devia, mas como são meus amigos vou lhes revelar o segredo do negócio.
Não pensem que os cambistas desse tipo de jogo têm prejuízo, porque não é verdade. As chances de acontecer um caso de perda é muito pequena, talvez uma em cem, para se ter uma idéia. Só se for uma grande zebra.
Uma moto, por exemplo, se sorteada somente na centena, de 999 eles imprimem apenas 300, 400 ou um pouco mais de unidades e de preferência, com exclusão das centenas e milhares rebaixadas, para venda. Observe que os milhares rebaixados, os iniciados com 1 e 2 dificilmente são impressos porque saem com freqüência.
São, na certa, 500 chances ou mais chances de ficar com objeto, como soe acontecer aqui em nossa terra e onde tenha gente desta mesma casta.
Suponhamos que eles sorteiem um objeto que lhes custou R$ 300,00 somente nas centenas, vendendo trezentas cartelas a R$ 5,00 cada, apuram R$ 1.500,00. Tirando todas as despesas, o idealizador do jogo não fica com menos de R$ 800,00 no sorteio, sem contar com o artefato rifado ou sorteado que possivelmente ninguém ganhou. Imaginem se for no milhar! O apurado é bem maior. É... mais ou menos assim que funciona.
- É mesmo! – responderam os outros interlocutores ao mesmo tempo.
- Então, o que você me diz, amigo?
- Depois dessas explicações eu fiquei atônito e também estou indeciso. Deixa-me pensar um pouco.
- Bem, se concordar depois você me procura, porque eu já estou de saída, tenho um compromisso agora.
Os amigos ficaram por um bom tempo entreolhando-se, sem dizer palavra, até que Joaquim quebrou o silêncio, articulando:
- Olha, Simeão, se eu fosse você não entraria nesse tipo de embrulhada não. Você é pobre, mas é um cidadão de bem; que precisa ganhar dinheiro, sim, mas não dessa forma, tendo de enganar os seus semelhantes.
Jogo é jogo, e se muitos jogam, muitos também saem perdendo na ilusão de ganhar fácil. Outra coisa, trata-se de um jogo sem amparo legal, como o jogo do bicho, cujas regras são ditadas por eles mesmos, mas que é praticado livremente há várias décadas em nossa urbe, no centro da cidade, sem que ninguém se importe. Mas nem por isso, pessoas como você devem se sujar cometendo essa espécie de delito.
- Você tem toda razão e é claro que não vou entrar nessa enrascada. Ainda não estou louco. Com mais um pouco de esforço conseguirei o que anelo sem ter de roubar ninguém, enganar ou esbulhar. Não sou dessa natureza.

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