O FAZENDEIRO AUSTERO – Conto por Romão Silva.

OBSERVAÇÃO: O presente texto foi desmembrado em três partes para melhor comodidade de leitura e não se tornar cansativo para algumas pessoas.


Parte 1

Havia encravada no sertão nordestino uma fazenda de tamanho médio para os padrões das terras cearenses, de propriedade de um senhor de nome Francisco Justino da Silva, que se notabilizou pela sua atuação no ramo agropecuário da região e também por ser muito criterioso em suas ações e modus vivendi.

Tratava-se de um homem forte, trabalhador e de boa estatura, com aproximadamente setenta anos de idade, de fisionomia grave, circunspecto e muito fiel aos seus princípios, o que lhe valeu a alcunha de Velho Ranheta, porque, apesar de ser um homem de bem, solidário e prestativo, era em determinadas situações, bastante inexorável e que por esta razão era mau compreendido.

Certa feita estava sentado na varanda, em sua cadeira predileta, folheando um livro religioso quando chega um amigo que costumeiramente lhe visitava e entabulava conversa duradoura abordando todo tipo de assunto, principalmente sobre agropecuária que também era seu ramo.

Após os cumprimentos de praxe, ambos confortavelmente sentados, o Velho Senhor mandou que servissem um café. E, entre uma tragada e outra do cigarro a conversa foi-se generalizando.

- Compadre Justino, desculpe minha curiosidade, mas o povo fala demais e eu soube que o Sr. Mandou prender o Zé Cigano, que também é seu compadre? Tem fundamento a estória?

- Olhe, compadre Hugo, eu não sei o que estão comentando por aí, mas vou lhe contar o que realmente aconteceu. Você me conhece bem e sabe que não gosto de prejudicar a ninguém, mas existem alguns momentos em que se deve ser duro com certos elementos que só pensam em se dar bem em prejuízo de outrem.

O cidadão em apreço abusou da minha confiança agindo de má fé para comigo que, por rogativa dele, atendi-lhe um pedido com a melhor das intenções e sem lhe pedir nada em troca...

Certo dia, meados do mês passado, estava eu sentado aqui mesmo onde estou verificando as minhas anotações quando ele chegou. Conversamos algumas amenidades e depois de alguns minutos ele tocou no assunto que o trouxera cá. Disse-me assim:

“Compadre, eu estou passando por uma grande dificuldade. Estou sem trabalho, a mulher doente e não aparece nem mesmo um biscate sequer. Há dias não consigo ganhar um tostão furado. Por esta razão, compadre, eu lhe peço que em nome de Jesus que se compadeça deste seu amigo desafortunado e me deixe retirar de suas terras uma carrada de lenha, de madeira seca. O senhor não precisa se dispor de mais nada, pois, eu mesmo farei o trabalho necessário de procurar, cortar e arrumar os feixes necessários”.

Ora, diante de tal súplica fiquei como que extasiado e, tomado de extrema compaixão, não me detive em indagações, acedendo ao seu pedido.

Passados alguns poucos dias, um dos moradores, José Bento, procurou-me para receber algumas instruções sobre os trabalhos da fazenda e perguntou-me sobre a retirada de madeira pelo Sr. Zé Cigano que já se estendia há mais de uma semana. O número de carradas de madeira de primeira, do que se tem de melhor no Estado, contando com as de lenha já chegava a vinte o oito. . E o que era pior, derrubara um lance de cerca para tomar atalho, deixando minhas terras a descoberto.

Essa notícia me causou tamanha estupefação que não sei ao certo se duvidei da afirmação do morador ou se estava tendo um pesadelo. O sangue, dilatando-me as veias, subiu à cabeça e, mal grado o esforço que fiz para me controlar senti um acesso de cólera.

Mais que depressa mandei selar um cavalo e, juntamente com o morador, encaminhei-me ao local da pilhagem para ver o estrago, constatando a veracidade do fato, o que me deixou ainda mais irritado. Zé Bento, o morador, vendo o meu estado de agastamento, procurou me acalmar:

“Acautele-se Sr. Justino, pense na sua saúde; vá para casa, tome um calmante e depois pense ponderadamente no que deve fazer. Agir assim do jeito que o senhor está pode ter graves conseqüências como resultado”.

... Continua...

Postar um comentário