CONTO - por Antromsil

O DEPUTADO – Conto – 1ª parte.

- Caro amigo eleitor.
- Hoje estou aqui pedindo seu voto para a minha candidatura a deputado federal, após ter submetido o meu nome ao Partido ao qual pertenço.
- Eu tenho um sonho. Tenho um sonho ver meus concidadãos mais felizes com educação, saúde e trabalho digno; a nossa juventude não mais na ociosidade, mas, envolvida num clima de paz e fraternidade, estudando com melhores condições de aprendizado e praticando esportes saudáveis, etc., etc.
Meses depois o cidadão em pauta é eleito com uma boa soma de votos e assume uma cadeira na Câmara dos Deputados, cheio de idéias impolutas e com muita vontade de mostrar serviço em agradecimento aos seus eleitores pela votação recebida, e pela confiança que lhe foi depositada.
O calendário avança e o nosso deputado se empolga; procura entre seus pares a adesão para alguns de seus projetos, conversa com um e com outro, faz parcerias, enfim, se esforça para merecer o mandato que lhe foi conferido pelo povo, com a melhor das intenções.
Os primeiros resultados são animadores. Consegue votar alguns projetos de sua autoria, obtém alguma melhoria para sua cidade, outros benefícios para o seu estado, e assim prossegue sua jornada. Porém com o passar do tempo o nosso deputado um tanto quanto radical, condena os excessos praticados por alguns e descaso de outros para com o compromisso assumido com o eleitorado, enfim vai se distanciando da maioria dos companheiros, inclusive os do próprio partido, por defender a moral, a ética e a probidade.
Um dia, cansado de remar contra a maré, chega em casa um pouco abatido e apático.
- Qual o problema? Pergunta a esposa, dona Carmem.
- Nada não – responde José Justo ou JJ, o nosso protagonista.
- Qual o que, eu lhe conheço meu caro. Ande, desabafe.
-...É, você tem razão, eu preciso conversar com alguém e ninguém melhor que você para me dar o ombro amigo.
- Então fale logo, homem!
- Bem, você sabe o quanto que eu gostaria realizar meu sonho cumprindo um bom mandato na Câmara Federal. Acontece, minha querida, que lá as coisas não são do jeito que nós pensamos que é. Negociata, falcatruas, compra de votos, barganha política e tudo de impróprio que você pode imaginar. Troca-se de partido como quem troca de roupa, aliás, o escambo político é ali a moeda corrente e só depende de quanto se precisa e o que se deve fazer. Outro dia, conversava com um de meus colegas mais próximo e que também agora tem se afastado de mim aos poucos, falou-me o seguinte:
- Olha, JJ, eu era assim como você. Procurava fazer as coisas de acordo com minha consciência, tudo certinho, porém foi relegado ao ostracismo. Graças a um amigo que me abriu os olhos, fui pouco a pouco tentando assimilar as coisas e, agora, como você pode ver estou no segundo mandato e muito bem, obrigado. Aqui no Congresso você tem que aprender a ceder, não pode radicalizar. Tem que aprender a perder porque logo, logo estará ganhando, pois será com certeza procurado por amigos que estarão com você em qualquer situação.
- Mas, Geraldão, eu sempre fui fiel aos meus princípios. Meus eleitores, a quem devo a minha atual posição, meus amigos e minha família. Como vou encara-los?
- Ora meu caro, não precisa se preocupar; não se precipite; as coisas vão acontecendo aos poucos, naturalmente. Procure se adequar às circunstâncias e quando menos pensar já estará acostumado. Aos eleitores a gente enrola e diz que depende dos próceres do partido. Aos amigos a gente dá desculpas por não ter tido oportunidade e à família, a gente consola e diz que é para o nosso bem. Assim, meu caro amigo JJ, espero que você medite sobre o assunto que conversamos.
O tempo passa. O destino, como sempre, tem em seus caminhos tortuosos o recheio de armadilhas e espinhos, e, como o nosso deputado também é andarilho, está, como os demais mortais, sujeito às vicissitudes da vida. As coisas já não são como outrora.
Abstêmio e muito moderado, só bebia em ocasiões muito especiais e somente alguns goles; devido às circunstâncias, passou a provar mais freqüentemente. O filho mais velho tentando a sorte em jogos diversos, começou a contrair dívidas de jogo e empréstimos com agiotas. A filha mais nova envolveu-se com drogas e já estava trazendo problemas àquela distinta família. Os negócios da família também não estavam muito bons e a cada dia os problemas se avolumavam.
O telefone toca. Tratava-se do deputado Geraldão que gostaria de falar com JJ.
-- Alô, é o JJ?
-- É sim, pode falar.
-- Preciso encontrar-me com você para tratarmos de um assunto parlamentar.
-- Então fale!
-- Não pode ser agora. Marcamos um encontro, eu juntamente com outros amigos na vivenda de um deles no próximo sábado e contamos com você para um bom entendimento. Está combinado?
-- Bem, se você me disser do que se trata...
-- Não posso lhe adiantar nada, por enquanto. Lá detalharemos o projeto. E então, contamos com você?
--...É, está bem.
No dia combinado encontram-se alguns parlamentares e alguns executivos representantes de duas empresas multinacionais do setor elétrico. A pauta do encontro era discutir um projeto de grande importância para o setor; porém, poderia trazer grandes prejuízos ao meio ambiente, aos proprietários das terras envolvidas no projeto e à comunidade em geral, mas que as empresas tinham interesse na aprovação do tal projeto. (continua no próximo número)

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