A visão do pântano
A visão do pântano
(texto de ficção)
Por: Antromsil
Imagem ilustrativa (rodapedohorizonte.wordpress.com)
Sertão cearense, berço de lendas e mitos, estórias de Trancoso, anedotas mil que ilustram o nosso rico folclore, casos que são vividos e contados por aqueles que mais se identificam e melhor narram tais episódios.
Muitos desses casos envolvidos em ares de mistério, fantasmagóricos e assombrosos que quando narrados deixam as crianças curiosas, encantadas com as proezas dos personagens, mas também cheias de pavor. Eu era um destes garotos que ao ouvir tais relatos, ia dormir morrendo de medo de vivenciar, mesmo que sendo em sonho, os casos que ouvia contar.
A mais das vezes tais acontecimentos não passavam de artimanhas articuladas adredemente por pessoas folgazonas que se regozijam em pregar peças naqueles menos precavidos e medrosos, os quais se tornam presa fácil para manipulação desses marotos com suas travessuras.
Num desses casos, ocorrido em dado momento numa comunidade interiorana, houve um fato que apavorou várias pessoas, em uma travessia situada num tipo de terreno pantanoso, cuja composição predominante era de argila escura e areia, permeadas de pequenas poças d’água e buracos cheios de lama ou areia, semelhantes a areia movediça, uma verdadeira armadilha para animais ou mesmo gente desavisada.
A estrada apiçarrada e estreita, formava um aterro dividindo o charco e logo depois, um terreno seco que dava acesso a uma outra vicinal de maior movimento e que servia para o tráfego de veículos e pessoas dos logradouros lindeiros.
Certa feita, caída a noite numa fase de quarto minguante da lua, quando a visão noturna fica mais embaçada pela penumbra noturna, dois rapazes numa bicicleta, João e José, seu primo, se dirigiam a uma mercearia da pequena vila da localidade, chamada Vila Nova, para comprar mercadorias que estavam em falta nas suas residências, ao atravessar o trecho mencionado, foram surpreendidos coma espécie de gemido cruciante seguido de gesticulações aflitivas, isto a cerca de uns vinte metros de distância de onde se encontravam, que os deixou assombrados ante àquela visão fantasmagórica.
O susto foi de tal maneira que o rapaz que vinha na garupa, saltou e fez carreira, enquanto que o outro, mais assustado ainda, apeou-se e correu empurrando a bicicleta, gritando para que o seu primo o esperasse. Chegaram esbaforidos ao seu destino, suados e apavorados com a estranha avantesma.
Como não era muito tarde da noite, toda vila tomou conhecimento do fato, pois, esse tipo de notícia corre depressa. Os rapazes tinham que retornar às suas casas, mas estavam com medo. Alguns jovens dos que estavam bebericando num boteco se ofereceram pra ir com os rapazes, já que estes não se encontravam em condições de ir sozinhos. Foram em número de cinco.
Ao se aproximarem do local do incidente, eis que abruptamente ouviu-se o ruído de mato e galhos quebrados acompanhados do roçar das folhas agitadas, não pelo vento, mas por serem tocadas por um animal que se deslocava a toda velocidade, seguido por outro que o perseguia, atravessando a estrada justamente aos pés dos que estavam na frente do grupo de rapazes.
Não deu outra. O assombro foi aí muito maior e todos retrocederam em desabalada carreira, sendo que João, o rapaz da bicicleta, dessa vez a abandonou.
Os cinco rapazes chegaram ao pequeno povoado exauridos, arfando de tanto cansaço e sobressalto, sentando-se no banco da pracinha. João somente deu pela falta da bicicleta quando já recuperava o ânimo, em frente ao boteco de onde saíram.
Seu Raimundo, um senhor maduro e sensato que ali residia, com seus cinquenta de nove de idade, inteirou-se da conversa e foi ouvir os jovens espantados. Um dizia ter visto um lobisomem, outro, que era a mula sem cabeça, um terceiro, que era o próprio Satanás em pessoa, e assim cada um dava a sua versão desconexa uma da outra sem que se chegasse a um acordo quanto à real visão.
Seu Raimundo ofereceu-se para guiar os mancebos até sua residência. De posse de sua lanterna e faca de caça, sem esquecer o revolver, como garantia para qualquer outro imprevisto e os seguiu acompanhado de seu fiel cachorro, velho companheiro de caçadas.
Os rapazes sentiram-se mais confiantes visto que o seu guia era homem experiente e destemido, que não se deixava enganar pelas aparências e não dava crédito à conversa fiada, que procurava entender as coisas com sensatez e argúcia. Munido de suas ferramentas de caça, acompanhou os rapazes inquirindo deles todas as informações que necessitava para a elucidação dos fatos ocorridos naquela noite.
No local da segunda suposta aparição, seu Raimundo, analisou, perscrutou as evidências e, das pistas encontradas concluiu que se tratava de um porco perseguido por um outro animal, possivelmente um guaxinim ou um cachorro do mato.
No lugar do primeiro caso, acendeu a lanterna e dirigiu o foco para o lado de onde os jovens lhe indicaram fazendo uma varredura, encontrando um vulto negro que se agitou e emitiu um som rouco e fraco, semelhante a um mugido de gado. Os rapazes recuaram ainda assustados, mas não correram, encorajados pela presença do senhor Raimundo, que os incentivava e por essa razão, ficaram à espreita, aguardando a confirmação de seu guia que afastou o arame da cerca e entrou no lodaçal, dirigindo-se ao vulto, sem vacilo.
E assim, caminhando pela parte mais dura do lamaçal conseguiu chegar a onde estava a suposta aparição que era, nada mais, nada menos, do que uma vaca preta que teve uma das pernas presa por um buraco de lama e se debatia a esmo tentando sair daquela prisão, isso já há bastante tempo. Instintivamente, à aproximação de algum transeunte, esta se debatia, balouçando a cabeça e mugia tentando chamar a atenção de uma alma caridosa que viesse em seu socorro. Seu berro estranho, prendia-se ao fato de já estar exaurida em suas forças de tanto esforçar-se para escapar da armadilha em que caíra.
Após a elucidação do caso, seu Raimundo solicitou a ajuda dos rapazes para retirar a vaca do atoleiro e a soltaram em solo firme, a qual saiu cambaleando em razão do exposto e foi-se embora.
Os dois rapazes ficaram bastante envergonhados com aquela situação, mas, seu Raimundo os alentava dizendo que “foi só um susto e isso era perfeitamente normal na sua idade, não havendo razão para se perturbarem.”
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