LEITURA

ASSOMBRAÇÃO


Essa estória se passou aqui mesmo em Sobral, precisamente no Sinhá Sabóia, quando há cerca de 10 anos atrás houve uma agressão mútua entre duas jovens por disputarem uma vaga na fila da lata d´água de um chafariz próximo ao cemitério Santa Marta. A primeira a ser agredida - que chamaremos pelo nome fictício de Maria - com uma mordida um pouco acima do supercílio, mesmo estando no quinto mês de gestação reagiu violentamente chegando a quebrar a clavícula e algumas costelas da oponente. Como o caso houvera sido comunicado à polícia, esta empreendeu diligência para prender Maria que não esperou ser interpelada pela autoridade policial e empreendeu fuga indo se refugiar dentro do cemitério.

Já era noite, o local era um pouco isolado e escuro e, nesse momento, Maria ainda se encontrava dentro do cemitério esperando uma deixa para retornar ao seu lar quando passava em frente ao referido cemitério um cidadão conduzindo uma bicicleta, provavelmente retornando do trabalho. Maria ainda estava toda ensangüentada por não haver cuidado do ferimento, saindo do cemitério gritou para o homem da bicicleta perguntando assim:

- Ei, seu Zé, o camburão tá pra ali ou pra cá?

O pobre homem assustado soltou a bicicleta e se embrenhou no meio da estrada correndo mais que uma lebre assustada e desapareceu.


QUEM TEM MEDO DA POLÍCIA?


Nos meus tempos de criança Sobral era, evidentemente, bem diferente do que é agora. Bem menor, mais pacata e mais simples. Os homens, mesmo ostentando valentia dificilmente se envolviam em crimes como os que vemos atualmente. Havia entre os valentes de então, aqueles que brigavam com cacete, geralmente feito com galhos de jucá, arvore comum em nossa região. Os crimes nunca deixaram de existir, mas muito distante um do outro e muitíssimo raro por motivo torpe.

Já se ouvia falar em drogas e tinha mesmo gente que usava, mas não ostensivamente como na atualidade. Roubos e furtos também nunca deixaram de acontecer. Existiam “turmas” em alguns bairros, porém, diferente das “gangues” de agora, encontravam-se para brigar “no murro”, no tapa, e não na faca e na bala como se vê hoje em dia, e tudo era tomado como travessura de criança.

Quando em algum arranca-rabo o caldo entornava a polícia era chamada e a bagunça acabava mesmo antes de a polícia chegar porque era temida, era respeitada, pois, embora demorasse a chegar, -- porque fazia a ronda a pé, -- ninguém queria ser preso, ninguém queria levar umas "borrachadas”. O vagabundo, isto é, o delinqüente corria às léguas com medo da meganha. Eu mesmo, igual a toda meninada da época, que, ao fazer uma traquinagem era advertido de que poderia ser pego pela polícia, quantas carreiras não dei com medo de ser preso, simplesmente por ter visto o policial ou pelo pavor do termo “polícia”.

Porém, os tempos são outros e não temos mesmo nem o direito de estarmos tranqüilos em nossa própria casa. Vivemos, como condenados, rodeados de grades e muros altos, cercados de arame farpado ou cerca elétrica, câmeras de vídeo, cães, seguranças “armados”, etc., e mesmo assim não estamos seguros.

O bandido invade sua residência à hora que quiser; na rua, você pode ser vítima de assalto em qualquer hora do dia ou da noite, mesmo próximo das delegacias e postos policiais. O bandido não teme mais a ninguém; tem facilidade para comprar ou alugar armas e munições enquanto que o cidadão de bem é tolhido; quando por acaso é preso, tem sempre um advogado à sua disposição; se condenado por um delito qualquer, conta com as benesses da lei e a ajuda da Comissão de Direitos Humanos.

Nunca na história de Sobral as estatísticas registraram tantas ocorrências de crimes, e crimes hediondos. Os nossos jovens nunca foram tão violentos quanto agora. A polícia nunca foi tão aviltada como na atualidade, pois a autoridade policial não é mais respeitada. A justiça, lenta como a preguiça, muitas vezes derroga os trabalhos de uma investigação policial, em virtude de leis ultrapassadas que protege em vez de punir o meliante. Além do mais, a burocracia emperra não só os serviços policiais como também outras atividades do Estado e atrapalha a vida do cidadão.

A polícia somente pode agir com uma denúncia protocolar, o que deveria ser automático, isto é, bastasse a veiculação da notícia pela imprensa ou denuncia verbal do cidadão comum. É obrigatória a formalização da denúncia para que a polícia possa entrar em ação, o que dá mais tempo ao bandido ou criminoso para evadir-se, encobrir provas e forjar um álibi. Por outro lado, existe a má vontade dos órgãos governamentais que não investem em segurança o suficiente para dar um maior respaldo às polícias que são mau pagas, mau treinadas e mau equipadas, sem contar que também existe má vontade em alguns chefes de polícia, talvez pelo descaso das autoridades superiores.

A nossa lei penal deve passar pelo crivo de uma revisão criteriosa, pois, urge a necessidade de uma atualização, um aperfeiçoamento constante, até porque hoje são cometidos crimes para os quais não existem penas perfeitamente tipificadas, porque não são contemporâneos da época da aprovação da atual legislação.

Infelizmente, hoje podemos pensar que o crime compensa, pelo menos para quem tem tendência criminosa, os profissionais do ramo.



VOCABULÁRIO


Interpelar - v. Tr. dir. 1. Interrogar. Dirigir a palavra a (alguém) para perguntar alguma coisa. 2. Interromper quem fala, perturbar por súbito apelo. 3. Dir. Intimar. 4. Pedir no parlamento explicações a um ministro.

Deixa – s.f. – oportunidade; chance; ocasião.

Torpe = (ô), adj. m. e f. 1. Desonesto, impudico. 2. Indecoroso, vergonhoso. 3. Obsceno. 4. Ignóbil, sórdido. 5. Repugnante. 6. Manchado, sujo. Vil.

Arranca-rabo =[De arrancar + rabo.] - s.m.1.Bras. Pop. V. rolo; confusão.

Meganha = s.m. e f. A polícia; PM; soldado de polícia; milico; mata-cachorro.

Tolhido = v. tolher = v. 1. Tr. dir. Embaraçar, estorvar, impedir. 2. Tr. dir. Pôr obstáculos a; opor-se. 3. Tr. dir. Proibir, embargar. 4. Tr. dir. Privar de. 5. Pron. Perder o movimento. 6. Pron. Ficar leso ou paralítico.

Derroga = v. derrogar = v. Tr. dir. 1. Dir. Abolir, revogar parcialmente (uma lei).

Meliante = s. m. 1. Malandro, vadio. 2. Libertino. 3. Patife.

Fazer vista grossa = a. 1. Ver e fingir que não vê; deixar passar.

Álibi = [Do lat. alibi, ‘noutro lugar’.] s. m. 1. Jur. Meio de defesa que o réu apresenta provando sua presença, no momento do crime ou do delito, em lugar diferente daquele em que este foi cometido.

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